atrás da porta #1- A Menina
Foto de Linford Miles em Unsplash
Olá,
me chamo Elaine e essa é a minha newsletter "atrás da porta".
Há alguns anos atrás comecei um blog, O Canteiro. Minha meta era escrever toda semana, mas eu não conseguia. Tinha medo de escrever, de mostrar para alguém o que havia escrito, ou não sobrava tempo e todas essas coisas que faziam com que escrever não fosse uma prioridade. O desejo sempre esteve aqui em algum lugar, à espreita, me rodeando. Volta e meia rabiscava (rabisco ainda!) coisas em cadernos e bloquinhos que foram ficando espalhados pela casa (ainda ficam), dentro de gavetas e caixas, esquecidos em pastas, e aí fico empolgada com algumas frases soltas e digo que vou voltar a escrever e, mais recentemente, voltar a traduzir. Até pensei em retomar o blog, mas agora já não parecia ser o meu lugar, eu precisava explorar novos espaços. Tenho acompanhado algumas escritoras e tradutoras pelas suas newsletters e a ideia parecia boa.
Escolher o nome ou um tema para a newsletter. O que eu poderia fazer? Que ideias eu gostaria de expressar? Perguntas, inseguranças, eu quis voltar atrás, e ir pra onde? Não havia como voltar, mesmo que não tivesse nem começado a escrever ainda. Hoje essa opção não está mais na minha lista. Então é isso: sentar e escrever. ler, observar o mundo, por aqui posso conversar, falar dos espaços onde estou, de onde vejo as coisas, se o lado de dentro, se do lado de fora. E então me veio o nome: atrás da porta.
Escrever sobre o blog, resgatar alguns textos de lá? Falar sobre minhas memórias, sobre maternidade, literatura, política, futebol... [tudo que adoro!]. Não deu para decidir um tema, ainda não encontrei a resposta para isso, o que aparecer, o que vier, o que for para escrever eu escrevo, combinado?
Além de tudo isso, é bonita a ideia do envio de cartas com nossos pensamentos e uma possível troca. Digo "possível" porque não quero fazer exigências a quem me lê, então pode acontecer de eu acabar falando sozinha por aqui.
Bom, preparada ou não aqui vou eu.
Olá, muito prazer, bem-vindas*!
Foto de Annie Spratt em Unsplash
*** Abaixo segue um trecho da tradução que fiz há algum tempo do conto "the little girl", de Katerine Mansfield. A tradução completa está na minha página no medium (tem outras traduções lá também). Tenho muito carinho por esse texto tão simples ao falar da relação entre pai e filha. Foi uma das primeiras traduções que fiz e publiquei na rede, e de uma escritora que gosto muito, espero que você goste também. Pegue um café e aproveite a leitura. A Menina de Katherine Mansfield Tradução: Elaine Pinto
“Bem, Kezia, mexa-se e tire essas botas e as leve para fora. Você se comportou bem hoje?”
“Eu n-n-não sei, pai.”
“Você n-não sabe? Se você gagueja assim sua mãe vai ter de te levar ao médico.”
Ela nunca gaguejava com outras pessoas — ao contrário, era até elogiada — mas somente com o pai, porque ela tentava dizer as palavras corretamente com muita força.
“Qual é o problema? Por que esse olhar tão melancólico? Mulher, espero que você ensine a essa criança a não ter ideias suicidas… Aqui, Kezia, ponha minha xícara de volta na mesa — com cuidado; suas mãos tremem como as mãos de uma velha. E tente manter o lenço dentro do bolso, não sobre os ombros.”
“S-s-sim, pai.”
Aos domingos ela se sentava no banco junto a ele na igreja, ouvindo quando ele cantava numa voz alta e clara, observando quando ele fazia pequenas anotações com um lápis azul de madeira no verso de um envelope durante o sermão — seus olhos apertados como uma fenda — com uma das mãos batia alguma coisa silenciosa sobre o peitoril do banco. Ele disse suas orações tão alto que ela teve a certeza de que Deus escutaria mais a ele do que ao pastor.
[...]
A menina ficou sozinha em casa com Alice, a “general”. Estava tudo bem durante o dia, mas quando Alice a colocou para dormir ela ficou, subitamente, com medo.
“O que vou fazer se eu tiver um pesadelo?” ela perguntou. “Eu sempre tenho pesadelos, e então vovó me põe na cama junto com ela — eu não posso ficar no escuro — tudo fica assustador… O que vou fazer?”
“Você vai dormir, criança,” disse Alice, tirando as meias dela e jogando-as na grade da cama, “e eu não vou chamar seu pai e acordá-lo.”
Mas o mesmo pesadelo de sempre surgiu — o açougueiro com uma faca e uma corda que se aproximava, e se aproximava, sorrindo de um jeito horrível, e ela não conseguia se mexer, podia apenas levantar, chorando, “Vovó, vovó!”. Ela acordou trêmula, viu o pai ao lado da cama, com uma vela na mão.
“Qual o problema?” ele disse.
“Oh, o açougueiro — uma faca — eu quero a vovó.” Ele soprou a vela, curvou-se e pegou a menina nos braços, carregando-a através de uma passagem para o quarto maior. Um jornal estava sobre a cama — a metade de um cigarro balançava ao lado da luminária. Ele jogou o papel no chão, apagou o cigarro, então deitou a menina. Ele se deitou ao lado dela. Já quase dormindo, ainda com o sorriso do açougueiro na sua direção, ela pareceu deslizar para perto do pai, aninhou a cabeça debaixo do seu braço, segurou-se firme ao pijama dele.
Então não importava mais a escuridão; ela deitou. “Assim, esfregue seus pés nas minhas pernas para se aquecer,” disse o pai.
Cansado, ele dormiu antes da menina. Um sentimento engraçado lhe apareceu. Pobre pai! Não é tão grande, afinal — e não tem ninguém para cuidar dele… Ele era mais firme que a avó, mas era de uma firmeza boa.
…E ele tinha de trabalhar todos os dias e estava cansado demais para ser o Sr. MacDonald… Ela rasgou todas as suas belas palavras… E se comoveu de repente, e suspirou.
***
Até breve,
Elaine.
*Não precisa estranhar, todas e todos são bem-vindos. ;)