Um ano com Virginia Woolf #10 - Diários
Rio de Janeiro, 02 de Abril de 2021.
Querido diário,
Estava me lembrando de quando eu era criança e tinha um diário fininho, com capa dura, estampado com flores amarelas -- talvez fossem rosas --, um cadeado e uma chave. As folhas dentro eram pautadas e coloridas, por vezes eu ficava com pena de escrever ali para não estragar com as minhas bobagens. Não me lembro se pedi para minha mãe comprar, se foi presente dela ou de outra pessoa.
Eu não gostava de usar aquele diário, porque volta e meia esquecia onde tinha deixado a chave e quando finalmente a encontrava já não sabia o que queria escrever, mas, acho que desde aquela época passei a ter sempre um caderninho para guardar meus pensamentos.
Ah, estamos em abril! Minha mãe está vacinada e daqui a alguns dias terei trinta e seis anos. Acho que vou comprar uns enfeites temáticos para colocar sobre a mesa junto com um bolo para comemorarmos aqui em casa, vai ser meu segundo aniversário em isolamento e estou em dúvida, assim como no ano passado, se celebro ou não.
Ao mesmo tempo em que penso em bolo e brigadeiros me pergunto se vou conseguir escrever a newsletter sobre os diários de Virginia Woolf. Estou muito feliz por ter chegado tão longe com o projeto. Nos últimos tempos tenho conseguido me organizar melhor para escrever e enviar a newsletter com maior regularidade, mas ainda sinto que sou uma fraude na maior parte do tempo por me atrever a falar de uma escritora tão incrível quanto Virginia.
A verdade é que ainda não li os diários dela, apenas partes dos períodos que se relacionavam com as publicações que tenho falado na newsletter. Traduzi alguns trechos e publiquei no Medium. Procurei principalmente pelas partes em que ela fala de seu processo de escrita e de como ela lidava com questões relativas ao trabalho. Mas na newsletter, especificamente sobre os diários de Virginia Woolf, eu queria pegar um trecho que a mostrasse falando de outros assuntos, não só a escrita, das coisas do cotidiano mesmo.
Terça-feira, 11 de maio de 1920
Vale dizer, para referência futura, que o poder criativo que borbulha tão agradavelmente ao começar um novo livro se acalma depois de um tempo, e continua-se com mais firmeza. As dúvidas surgem. Então nos resignamos. A determinação de não ceder, e a sensação de uma forma iminente nos mantêm nisso mais do que tudo. Estou um pouco ansiosa. Como vou levar a cabo esta concepção? Precisamente, começa-se a trabalhar como uma pessoa andando, alguém que já viu o país esticar antes. Não quero escrever nada neste livro que não goste de escrever. No entanto, escrever é sempre difícil.
L. está em Londres vendo seus eleitores. Oito cavalheiros estão esperando por ele para aprender seus pontos de vista. Então ele está tomando chá com Kot. Ele tem uma reunião (eu acho) não vai chegar em casa até tarde. Passei a tarde digitando e organizando a história de Morgan. Fui comprar um pãozinho, visitei a Srta. Milan sobre as capas das poltronas e, quando terminar, lerei Berkeley. Às 14h15, Lady Cynthia Curzon estava casada com o capitão Mosley. Embora fosse verão até umas três e meia, agora está tudo escuro, e devo fechar a janela e vestir minha camisola. Nessa volta na sexta-feira. Clive e Mary estão em Paris. Então, tomei chá com A. e K. no domingo e vi todas as crianças - Judith, uma grande criança gorda; Ann com um olhar do desenho da mãe de Watts; no entanto, ambos muito como Costelloes. Gosto de voltar a Richmond depois de Gordon Sqre. Gosto de continuar nossa vida privada, sem ser vista por ninguém. Murry me pediu para escrever histórias para o Ateneu. Nenhuma menção de K [atherine] desejando me ver.
Foto de alguns dos meus cadernos nos últimos anos. Acervo pessoal.
Um diário é algo íntimo, onde materializamos nossos sentimentos -- aqueles bem mesquinhos --, nossas ilusões e ideias. É onde podemos ser honestos, rígidos, bagunçados, diretos ou dramáticos com você, meu silencioso confidente.
Há algum tempo publiquei no Medium uma tradução em que Virginia diz que escrever é difícil. Aí voltei naquele trecho e no parágrafo seguinte ela fala que o marido está em Londres, que ela foi comprar pão, com quem tomou chá, e eu acho fascinante saber de coisas tão comuns das artistas que admiro, porque existem coisas que precisamos fazer no nosso dia a dia que nada tem a ver com arte, e, também, porque nessas coisas tão comuns podemos encontrar beleza.
Eu gosto de comemorar aniversário. Neste momento, estou pensando em um bolo com recheio de doce de leite, e acho que vou comprar flores, espalhar alguns balões coloridos, colocar uma playlist dos anos 80 e a gente dança na sala.
Na próxima newsletter já vou estar no novo ano, parabéns para mim.
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Você também mantém o hábito de escrever em um diário? Se quiser trocar uma ideia sobre isso me mande um e-mail. Você pode me acompanhar também no Medium, Instagram e Goodreads.
Até mais,
Elaine.