Um ano com Virginia Woolf #11 - Noite e Dia
Rio de Janeiro, 16 de abril de 2021
Olá,
Como vocês estão?
Continuando a leitura das obras de Virginia Woolf, hoje vou falar sobre Noite e Dia, segundo romance da autora, publicado em 1919, pela editora Duckworth.
Nas mais de seiscentas páginas conhecemos o interessante quarteto que dominará a história: Katharine Hilbery, Ralph Denham, Mary Datchet e William Rodney (bem, este último não é nada interessante, é bem chato).
Katharine Hilbery e Raph Denham se conheceram em uma tarde durante o chá na casa dos Hilbery. Ralph é advogado e escreve artigos para a revista do pai dela, e Katharine está ajudando a mãe a escrever a biografia de seu avô, um poeta famoso. O encontro, porém, não é dos mais amistosos, pois “Denham havia acusado Katharine de pertencer a uma das mais ilustres famílias da Inglaterra”. Em outro canto de Londres, Mary é uma mulher prática, trabalha em um escritório, mora sozinha e é amiga de Ralph. William é um escritor pedante, amigo de Katharine, apaixonado por ela, e todos esperam que se casem.
Virginia Woolf nos dá a conhecer estas personagens por meio de seus diálogos, modos de andar, hábitos, gestos e roupas. Além disso, há o percurso que fazem por Londres durante a noite ou durante o dia, revelando que as mesmas ruas sob luzes diferentes são mais que cenário para as descobertas do amor.
Caminhou rapidamente ao longo de Holborn. Logo virou a esquina e continuou, sempre apressadamente, na direção oposta. Essa indecisão não era apenas detestável; tinha algo de alarmante, e ela já se alarmara duas ou três vezes nesse dia; sentia-se incapaz de enfrentar a força dos próprios desejos. Para uma pessoa regida pelo hábito, havia humilhação, tanto quanto susto, nessa libertação súbita do que parecia ser uma força tão poderosa quanto irracional.
Eu diria que as principais personagens são Katharine Hilbery e Mary Datchet, mulheres de classes sociais diferentes e, até certo ponto, interesses também. Katharine está organizando, junto com sua mãe, a biografia de seu avô, um famoso poeta. Enquanto Mary trabalha em uma organização que se empenha em implementar o voto feminino.
As duas personagens representam os novos caminhos que se irrompem para a mulher no começo do século XX. Virginia Woolf escreve sobre mulheres cujas identidades e desejos não estão encerrados numa caixa.
Além de Mary e Katharine, vale destacar Mrs. Hilbery, mãe de Katharine. É uma mulher divertida, distraída, que nunca termina a biografia do pai porque não consegue se dedicar a escrevê-la. É a maior defensora de Katharine. A personagem funciona como uma deusa ex-machina, porque ela se afasta por um tempo e quando volta resolve todo o imbróglio amoroso em que a filha está envolvida, e resolve de uma maneira que parece nos dizer: “por que ninguém pensou nisso antes?”.
Mrs. Hilbery conservava na cabeça uma visão tão clara daquele tempo como talvez ninguém mais dentre os remanescentes, e sabia comunicar às palavras aquelas centelhas e aquele frêmito de vida capazes de dar-lhes quase a substância da carne (...). De súbito, a frase justa ou o ponto crucial lhe ocorriam, ela largava sua flanela e escrevia, extática prendendo o fôlego, por uns poucos momentos. Mas então o humor passava, ela procurava o pano outra vez, e limpava de novo os velhos livros. Esses surtos de inspiração nunca ardiam de maneira sustentada.
Fotografia amarelada da rua Strand, em Londres, do alto. Na imagem aparecem uma longa avenida com carros, ônibus e postes no meio dela, nas margens dos dois lados as calçadas com pessoas caminhando, prédios e toldos.
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O romance é bastante convencional e pode ser irreconhecível para quem já conhece obras posteriores de Virginia Woolf. Ainda assim, é possível encontrar os traços de seu estilo na obra. Cito como exemplo os lugares por onde as personagens passam ou alguns conflitos que enfrentam, como Katharine caminhando desnorteada ao se dar conta de que está apaixonada por Ralph.
Outra coisa que acho que faz as histórias de Virginia Woolf saírem do tradicional, é a composição das personagens, que são complexas, cheias de particularidades. Um bom exemplo disso é Mary, que surpreende Ralph com hábitos de remendar as próprias meias e gostar de ler.
-- Bem, tenho de observar, com Emerson, que é ser e não fazer o que importa -- continuou ela (Mary).
-- Emerson? -- exclamou Ralph com derrisão. -- Você não me vai dizer que lê Emerson?
-- Talvez não tenha sido Emerson. Mas por que razão não deveria eu ler Emerson? -- perguntou ela com um grão de ansiedade.
Como em outras histórias de Virginia Woolf, podemos observar, em Noite e Dia, que a ação não se trata de uma única coisa. Há muitos elementos tradicionais.
Em alguns pontos, lembrei-me da narrativa de Jane Austen. Também tracei um paralelo do romance com a série Downton Abbey pelas referências aos rituais de chá, de jantar, trocas de roupas, convenções sociais. Parece-me que a insistência nesses ritos, especialmente no período pós-guerra do começo do século XX, deixa claro nosso desejo de que o mundo, que não para de mudar, permaneça sempre o mesmo.
O volume pode assustar, mas a história é bem leve.
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Até mais,
Elaine.