Um ano com Virginia Woolf #12 - Como se deve ler um livro?
Rio de Janeiro, 30 de abril de 2021
Olá,
como você está?
Está conseguindo ler? Confesso que por aqui a concentração nos últimos tempos não tem ajudado e meu ritmo de leitura anda bem mais lento e distraído do que o usual.
Você se lembra do primeiro livro que leu? Ou do primeiro que marcou você e fez
pensar: “Uau, essa história é tão legal que quero ler mais coisas como esta!”?
Comecei a gostar de ler na infância. Desde muito nova fiquei curiosa sobre livros em geral, um interesse que apareceu na escola e continuou com o incentivo da minha mãe. Não deu outra: me tornei leitora.
O primeiro livro que me fez querer ler muitas outras histórias foi A droga da obediência, de Pedro Bandeira. Eu devia ter uns dez ou onze anos quando o li. Tinha lido outros livros, mas este, ah, foi o livro de iniciação.
Nele, quatro amigos de uma escola de elite de São Paulo formam um grupo secreto – os Karas – para investigar acontecimentos estranhos. A amizade entre eles já existe há um tempo quando estudantes começam a desaparecer. Eles reúnem pistas, fazem associações, arriscam-se para descobrir quem está fazendo isso e por quê.
Eu, que sempre fui tímida na época da escola, queria ser como as personagens do livro: inteligente, praticar esportes, ter a resposta certa, defrontar autoridades…
— Há pouco você disse que só existe uma verdade, não foi, Miguel? Você ainda é muito jovem, não faltará ocasião de aprender que as coisas são relativas. A verdade tem várias facetas. Dependendo do lado que se olha, um mesmo fato pode parecer totalmente diferente. — Eu só vejo um modo de olhar a verdade — interrompeu Miguel. — O modo certo.
Depois de A droga da obediência, li muitos outros livros do Pedro Bandeira. Uma amiga e eu até trocamos livros durante a adolescência para alimentar nosso interesse pelas histórias. O primeiro clube de leitura do qual participei.
Na época da faculdade, uma coisa que gostava muito de fazer era ir às feiras de livros usados que aconteciam nas praças do centro da cidade. Era possível encontrar pérolas por apenas dois ou três reais, livros em inglês, clássicos da literatura etc. Era preciso ter paciência para procurar e não se importar com dedos empoeirados, mas valia a pena.
Foi assim que encontrei meu primeiro livro de Virginia Woolf: To the Lighthouse. Tinha ouvido falar da autora, talvez alguma professora a tenha citado em aula.
Encontrei uma edição de bolso numa das bancas que destacava a prateleira com uma faixa azul. Os livros estavam empilhados e aquele nome me chamou a atenção. As páginas amareladas, a capa quase solta, o volume me custou apenas dois reais. Um tesouro que guardo até hoje (sem a capa).
Quis ler imediatamente e me ferrei, não entendi nada. Depois, resolvi que ia traduzir. Passei um bom tempo tentando e ainda tenho dois cadernos com a minha tentativa de tradução, que acabou ficando de lado. Quem sabe um dia, né?
Alguns anos depois disso, criei coragem e comecei a ler As ondas. Foi a melhor coisa que li na vida! Este livro foi meu companheiro muitas vezes, em casa quando me sentia sozinha ou no ônibus quando voltava do trabalho à noite. Quando chegava na subida da ponte rio-niterói, eu abria a mochila, pegava o livro e mergulhava.
Você alguma vez se perguntou como se deve ler um livro?
Virginia Woolf nos instiga com esta pergunta em seu ensaio publicado em 1926. Já no começo a autora chama a atenção para o ponto de interrogação no título, mas alerta para que a resposta não está em seu texto.
O único conselho sobre leitura que uma pessoa pode dar a outra é não aceitar conselho algum, seguir os próprios instintos, usar o próprio bom senso e tirar suas próprias conclusões.
Foto de Virginia Woolf lendo.
Virginia Woolf é tão interessada em processos de escrita quanto nos de leitura. No texto, fala das impressões que formamos, da nossa própria compreensão, do prazer ao ler, da nossa responsabilidade e importância como leitores.
A busca por regras de como se deve ler um livro é infrutífera porque a leitura é individual. Apenas quem lê tem as respostas e estas se aplicam apenas a si mesmo. São respostas que não têm fim para além do próprio ato de ler.
Quem lê tendo em vista um fim, por mais desejável que ele seja? Não há certas atividades que exercemos por serem boas em si, certos prazeres que são definitivos? E o nosso não está entre eles?
E você, como lê um livro?
***
Já que falei de As Ondas, vale conferir o ensaio de Emanuela Siqueira que saiu na revista Suplemento Pernambuco: aqui.
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Até mais,
Elaine.