Um ano com Virginia Woolf - #2 Contos Completos parte 1
descrição: imagem com os dizeres: atrás da porta à frente de um retângulo azul e uma segunda linha onde está escrito: uma newsletter de Elaine Pinto.
Olá,
voltei com mais uma carta sobre minha leitura da obra de Virginia Woolf, hoje vou falar um pouco sobre os »Contos Completos» de Virginia Woolf. A edição que li é a da Cosac Naify (2005), traduzida por Leonardo Fróes. Ela está dividida em quatro partes cronológicas, sendo a primeira intitulada "Primeiros contos", as três partes seguintes não recebem título, apenas o período em que foram publicadas: 1917-1921; 1922- 1925; 1926- 1941.
Foto: acervo pessoal Descrição: Capa do livro Contos Completos, de Virginia Woolf, em vermelho com letras brancas em cima de uma cadeira de madeira, um pouco de luz do sol reflete sobre a cadeira. ***
Separei minhas anotações em duas partes com alguns contos selecionados, os que mais me chamaram a atenção. A primeira parte vai dos "Primeiros Contos", que datam entre 1906 e 1909, até 1917 - 1921; e a segunda parte com os contos destacados que datam de 1922 - 1925 e 1926 -1941.
Os primeiros contos são publicados antes do primeiro romance, A Viagem (1915), e são bem diversos, alguns com mulheres protagonistas; observações sobre a cidade; memórias; a busca por algo fundamental; sobre arte e escrita. Destaquei seis contos com estes temas para falar um pouco a respeito. Começando com Phyllis e Rosamund (1906), que é o conto que abre a edição. São duas irmãs que têm suas vidas descritas por Woolf como "frívolas, domésticas, de temperamentos mais sensíveis e simples", e, mesmo que não pareça, possuem plena consciência de seus papéis como mulheres. Quando estão a sós expressam livremente suas opiniões uma para a outra, enquanto »no trabalho» fazem o que é esperado delas. É interessante que o termo usado por Woolf seja exatamente este: trabalho, assim, de maneira proposital. O trabalho de Phyllis e Rosamund, e de qualquer outra mulher, é(ra) ser agradável, não emitir opiniões, ser gentil etc. e, obviamente, conseguirem a realização profissional em um casamento com um homem. Enquanto solteiras eram filhas e o jogo que deveriam jogar era este, quando se tornassem esposas de um homem, aí sim, estariam livres, como Phyllis acredita quando diz a uma amiga que o "casamento quer dizer liberdade e amigos e uma casa própria".
Em seguida temos O diário de Mistress Joan Martyn (1906) sobre a importância das mulheres contarem e investigarem suas próprias histórias. Rosamund Merridew é uma historiadora que pesquisa o sistema de posse de terra na Inglaterra medieval e se depara com os diários de Joan Martyn, uma fazendeira daquele período. O conto traz uma bela descrição do lugar encontrado por Rosamund durante sua pesquisa de campo, um lugar que lhe atiçou a curiosidade, e que a levou ao tesouro que são os diários. O diálogo de Rosamund com os parentes de Martyn, donos do lugar e que lhe emprestam os papéis de modo tão simples, são singulares. Tanto para eles como para Rosamund aquilo tudo possui muito valor, mas sob perspectivas diferentes. Para os Martyn aquilo só teria interesse para eles mesmos, para Rosamund é de interesse público. Através de Rosamund conhecemos a jovem Joan que descreve sua vida, o que pensa, a rotina familiar, a relação com a mãe, casamento etc.. Virginia Woolf nos leva a conhecer três mulheres que fazem o que é preciso fazer e contam a história - a delas e de sua época -, cada qual a seu modo, uma viagem no tempo fascinante.
Refleti longo tempo (...) sobre a responsabilidade do casamento. Nenhum outro acontecimento na vida de uma mulher acarreta uma mudança tão grande; pois que bruscamente o casamento a transforma, de sombra despercebida que era a esvoaçar na casa paterna, num corpo com peso e substância, que os outros são forçados a ver e ao qual cedem passagem. p. 59
Em Memórias de uma romancista (1909) conhecemos duas mulheres misteriosas: Miss Willatt, uma romancista, e miss Linsett, sua biógrafa. As memórias revelam diretamente quem foi Miss Willatt, mas Woolf nos chama a atenção para o que está nas entrelinhas, nos detalhes da história que não estão evidentes, nos chama a atenção para a história que Miss Linsett gostaria de contar e por alguma razão não o faz. Somos levados a imaginar quem foi miss Willatt. Outro ponto interessante é a pergunta "Que direito tem o mundo de saber sobre homens e mulheres. O que pode um biógrafo contar?", que aparece logo no início sobre a importância da vida de quem escreve, será que é tanta a ponto de merecer ser contada por outra pessoa, será a própria Virginia Woolf nos dizendo que prefere ficar longe dos holofotes?
Avançando no tempo temos os contos publicados entre 1917 e 1921, e aqui eu começa destacando Kew Gardens (1919), que se passa no Jardim Botânico Real em Londres, em que o lugar é o personagem principal. Aqui fazemos um passeio de verão acompanhando casais, amigas e amigos, observando o movimento e as cores das flores e de quem mais atravessa o jardim. Os trejeitos dos que passam, as emoções, as surpresas dos que se encontram, os romances.
Assim um casal depois do outro passava pelo canteiro de flores, com muito da mesma movimentação irregular e sem objetivo. p. 121
Seguindo com Um romance não escrito (1920) temos um dos contos mais belos, na minha opinião, somos ofertados com algumas possibilidades sobre romance, sobre encontros, sobre inspiração.
Os olhos dos outros nossas prisões; seus pensamentos nossas gaiolas. p. 156
Uma conversa entre desconhecidas pode nos levar a inúmeras possibilidades sobre a vida e o futuro. Podemos pensar também sobre escrita, como ao observar algo, uma conversa entre duas pessoas, por exemplo, a escritora* passa a criar os diálogos, a história, o futuro daquelas personagens. Realmente é um conto muito bonito.
E para terminar esta primeira parte da minha leitura dos contos de Virginia Woolf, destaco Uma sociedade (1920).
Se os homens escrevem porcarias assim,deveriam nossas mães ter perdido sua juventude para trazê-los ao mundo? p. 168
Este é um conto muito divertido. É irônico, feminista, mordaz. Trata-se de um grupo de mulheres que cria uma sociedade para investigar se os homens são tão grandiosos e capazes nas suas obras a ponto de fazê-las desejarem ter seus filhos para dar continuidade ao mundo depois de concordarem que o objetivo da vida era "formar boas pessoas e escrever bons livros". Cada uma fica responsável por investigar uma área de conhecimento, entrevistando os homens para conhecer suas habilidades, com "perguntas direcionadas para saber até que ponto esse objetivo era atualmente alcançado pelos homens".
Essas são algumas observações da minha leitura aos contos de Virginia Woolf - em breve falarei de outros -, o que você achou? Fique à vontade para me mandar um email falando sobre a sua leitura também. Vamos abrir portas por aí.
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*o feminino aqui é usado como universal.
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Se quiser trocar uma ideia sobre isso me mande um email. Você pode acompanhar também no Medium, Instagram e Goodreads.
Até mais,
Elaine.