Um ano com Virginia Woolf #5 - Mrs. Dalloway
Rio de Janeiro, 19 de Dezembro de 2020
Olá,
essa é mais uma newsletter atrás da porta, e hoje eu estou aqui para falar deste romance que é um clássico da literatura: Mrs. Dalloway (1925), de Virginia Woolf.
Clarissa Dalloway, uma mulher de cinquenta e dois anos, da classe alta vivendo na Inglaterra do pós-guerra, é a personagem principal nesta história que se passa em um único dia. Este nome não é desconhecido para quem já conhece outros textos de Virginia Woolf - e também para quem leu sobre as minhas primeiras leituras de sua obra aqui na newsletter -, pois Clarissa e Richard Dalloway aparecem rapidamente no romance A Viagem (1915) e em alguns contos de Woolf.
Foto da capa do romance pela editora Companhia das Letras (2017). Descrição: uma mulher de cabelos curtos, na altura dos ombros, sentada lendo um livro. Ao fundo, desenhos de flores e folhas.
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Vou então começar pelo conto que deu origem ao romance. Woolf o escreveu para a revista Criterion, em que T.S.Eliot era editor à época, com o título Mrs Dalloway em Bond Street e que foi publicado em 1923, mas a autora achava que não estava completo, na verdade, o conto tinha “se ramificado em livro”. Em ambos, no conto e no romance, o dia de Clarissa começa com ela saindo numa manhã de junho, para comprar algo para a festa que daria em sua casa naquela mesma noite.
Pois era em meados de junho. A guerra estava acabada, exceto para alguns, (...). Era em junho. O rei e a rainha achavam-se no palácio. E por toda parte, embora tão cedo, era um estrépito, uma agitação de pôneis a galope (...); tudo envolto na macia echarpe do ar azul e cinza da manhã, que ia retirando à medida que o dia se desgastava. (Trad. Mario Quintana, p. 13)
Clarissa Dalloway é uma mulher inteligente do começo do século XX cujo trabalho é representar bem o papel de uma dama da alta sociedade londrina. E ela o executa bem. Ser uma boa anfitriã é parte do seu trabalho, é mais uma tarefa dentre outras neste papel que se espera de uma mulher com seu status.
Logo no início de sua saída para comprar flores Clarissa encontra seu amigo de juventude Peter Walsh, que está de volta a Londres, e parece não ter superado seus sentimentos por Clarissa desde que ela rejeitou seu pedido de casamento, trocando-o por Richard Dalloway. Peter põe nela a culpa por sua infelicidade amorosa. Além do núcleo de Clarissa, com seus amigos e família, um personagem bastante relevante é Septimus Warren-Smith, um ex-soldado que foi para combate e perdeu um grande amigo. Ele é o oposto de Clarissa, como Virginia fala em seu diário, e eles não têm nenhuma relação entre si, não se encontram, nem mesmo quando estão ambos na mesma rua assistindo a movimentação que um carro agita os que estão ali e suspeitam que seja ou do primeiro ministro ou da rainha. Septimus está naquela mesma rua com a esposa Lucrezia, ele está enfrentando seus monstros internos, os efeitos de um campo de batalha, a morte.
Septimus Warren Smith, cerca de trinta anos, rosto pálido, nariz adunco, de sapatos marrons e casaco surrado, com olhos castanho-claros que exibiam um ar atemorizado, instilando temor até mesmo em perfeitos estranhos. O mundo erguera seu açoite; sobre quem iria cair? (trad. Cláudio Alves Marcondes)
Neste romance, Woolf nos leva para um passeio pelas ruas de Londres, nos mostra as pessoas, o que falam, como pensam. Com Clarissa e Septimus, principalmente, conhecemos seus mundos, o que acontece ao redor, seus pensamentos, suas histórias.
Eu queria ter sido capaz de fazer uma análise sobre várias coisas, como o paralelo entre Septimus e Clarissa, e as relações dela com outras personagens, mas, a verdade é que eu me senti perdida em alguns momentos lendo Mrs. Dalloway. Levei um tempo para entender e conseguir deixar fluir a leitura.
Vou apontar apenas duas coisas: 1) o fluxo de consciência e 2) os acontecimentos banais. Bem, fluxo de consciência é uma expressão que aparece com frequência quando começamos a procurar referências sobre a obra e o estilo de Virginia Woolf. Esta é uma técnica que consiste em transcrever o processo do pensamento de um personagem.
Sra. Dalloway é um livro estranho. Escrito quase inteiramente de dentro das mentes das personagens em um "fluxo de consciência" que segue os pensamentos e observações do passado, presente e futuro das suas vidas e de entes queridos. (What I Learned from Mrs. Dalloway by Virginia Woolf” por Lisa Marie Blair. Tradução minha)
Ao ler Mrs. Dalloway - e outros textos de Woolf - me provoca a sensação de estar no pensamento da personagem no exato momento em que pensa. Acho que por isso tive dificuldade em entender o ritmo deste romance, é como estar, ao mesmo tempo, dentro e fora daquele cenário. Entramos na cabeça das personagens, vemos o que vêem e como vêem, sabemos o que sentem, do que se lembram, do que gostariam de dizer etc. Ideias, memórias, expectativas que vão e voltam no tempo, a proximidade que sentimos com a realidade desse duo pensamento-fala que é rápido, contínuo, assim como o nossa própria maneira de pensar funciona às vezes, quando cheguei neste momento fiquei sem fôlego e as coisas passaram a fazer sentido - pra mim. A leitura fluiu.
Outro ponto que observei é como um ato banal de comprar flores, ou luvas ou o que for para a preparação de uma festa em uma época como o começo do século XX.
Fosse como fosse,não havia amargura nela; tampouco aquele senso de virtude moral que torna tão repulsivas as mulheres de bem. Na prática, tudo a encantava. p. 1411
Pensei na condição social de Clarissa, na sua condição de mulher, em outros textos de Woolf e as histórias que escreve sobre mulheres fazendo coisas comuns, e o modo como escreve essas histórias não são comuns. Esta é uma das coisas que gosto tanto na obra de Woolf: como ela parte de algo banal, e aparentemente sem interesse, para nos lançar em sua história. Seu modo de contar, como trata a história é que a torna incomum. Poderiam ser luvas, flores, vestidos e, talvez por isso, a frase que abre o romance seja tão celebrada: “Mrs Dalloway disse que ela mesma iria comprar as flores”.
O impacto que este romance tem na história da literatura é tamanho que a Royal Society of Literature criou o #DallowayDay celebrado em uma quarta-feira no meio do mês de Junho, como forma de homenagear Virginia Woolf. Que tal um dia para sairmos e comprar flores? Dar uma festa? Observar com atenção cada evento ou apenas ler, mais uma vez, Mrs. Dalloway.
Acho que não tenho muito mais o que dizer, exceto que vale a leitura, e que tem sido um aprendizado este projeto. A cada conto, romance ou artigo de Virginia Woolf compreendo porque ela é uma escritora tão importante, e, acredito, necessária em qualquer época.
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Até,
Elaine.