Um ano com Virginia Woolf #8 - O quarto de Jacob
Rio de Janeiro, 19 de fevereiro de 2021
Olá,
como vocês estão? Espero que estejam bem.
Há uns anos eu fazia aula de italiano com um professor particular. Um senhor simpático que mora no Brasil há muito tempo, onde se casou e criou os filhos, mas não perdeu o sotaque e o jeitão do sul da Itália.
As aulas eram bem boas, conversávamos muito sobre as diferenças entre os nossos países. Certa vez ele me repreendeu de uma maneira que nunca mais esqueci. Ele disse: "Italiano si parla parlando!".
Ué, mas eu achei que estava falando!
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No dicionário Houaiss a palavra voz é definida como o som produzido por vibrações das nossas pregas vocais e que é usado como meio de comunicação e expressão das emoções; manifestação, direito de falar.
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O quarto de Jacob (1922) é o terceiro romance de Virginia Woolf, o primeiro publicado pela sua editora Hogarth Press.
O personagem que leva o nome no título não é muito de falar. Conhecemos Jacob não pelo que diz, mas pelo modo com que se relaciona com outras personagens, e é quando elas manifestam o que pensam e sentem a respeito dele que descobrimos quem é Jacob.
Jacob nada tinha a esconder de sua mãe. Apenas não conseguia entender essa extraordinária excitação, e quanto a escrever a esse respeito…
-- As cartas de Jacob se parecem tanto com ele - disse a Sra. Jarvis, dobrando a folha.
-- Na verdade, ele parece… - disse a Sra. Flanders e interrompeu-se porque estava cortando um vestido e tinha de alisar o molde - estar se divertindo bastante.
Foto: acervo pessoal
O romance começa com Jacob ainda criança convivendo com sua mãe e irmãos. Os anos e as estações passam, e seguimos acompanhando sua vida, conhecendo seus amigos e amores, juntando os fragmentos que eles nos dão.
Os dois primeiros romances de Virginia Woolf, A Viagem e Noite e Dia, saíram pela editora de seu meio-irmão, que seguia uma linha mais tradicional. Em O quarto de Jacob ela se liberta e experimenta um estilo que se tornará mais contundente nas obras seguintes. É com este romance que Virginia se arrisca mais, se aventura e decide que é a escritora que queria ser.
Não tenho quaisquer dúvidas de que descobri como começar (aos quarenta) a dizer qualquer coisa com a minha própria voz; e isto me interessa tanto que sou capaz de seguir em frente sem louvores. (26 de junho de 1922)
A sensação que tive ao ler O quarto de Jacob foi de que não entendi metade do que estava escrito ali, que Jacob me escapava. Uma sensação parecida com a que tive em Mrs. Dalloway. Virginia Woolf me dava muitas informações e eu me sentia perdida, até que de repente, num clique, tudo passou a fazer sentido.
Se eu sei quem é Jacob? Posso dizer que sei o que ele representa para Clara, Sra. Flanders ou Bonamy.
O texto de Virginia nos apresenta a pessoas e lugares que fazem parte da vida de Jacob, uns são mais marcantes que outros. As partes que mais gostei são um capítulo em que há uma festa - e já falei aqui como acho que Virginia Woolf escreve bem sobre festas - e a parte da viagem de Jacob para Itália e Grécia. No seu destino final somos presenteados com momentos belíssimos do intrigante protagonista.
O clarão pairava vermelho sobre as colunas do Partenon, e as mulheres gregas, que tricotavam suas meias e às vezes gritavam por uma criança para que viesse e deixasse tirar os insetos de sua cabeça,estavam alegres como andorinhas no calor, discutindo,ralhando, amamentando seus bebês, até que os navios no Pireu se puseram a disparar seus canhões. ***
No momento em que falamos algo estamos usando várias partes do corpo, são ruídos e movimentos que deixam uma marca em quem nos escuta, uma identificação como a impressão digital. Integrar a voz que temos dentro do peito e a voz que entregamos ao mundo é trabalho para uma vida.
Na minha cabeça a voz que tenho ressoa lindamente, é forte, com personalidade, desenvolta. A voz que meu professor de italiano escutava é diferente: chorosa, baixa, pouco articulada. Acho curioso pensar que nossa voz, a que ouvimos e a que os outros ouvem, revela parte de nossa personalidade e como somos fragmentos do que deixamos e do que pegamos das situações que experimentamos.
Quando comecei a escrever este texto, não pensei em falar sobre Virginia Woolf ou sobre sua obra, até que me dei conta de que a questão da voz e da expressão desta permeia O quarto de Jacob.
No fim, todos os caminhos levam à Virginia.
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Até mais,
Elaine.
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A edição que li foi esta: O quarto de Jacob, Virginia Woolf.Tradução de Lya Luft. Novo Século Editora, 2008.