Um ano com Virginia Woolf #9 - Entre os Atos
Rio de Janeiro, 05 de março de 2021
Olá,
Como vocês estão hoje? Estou aqui me alienando com ficção para não surtar com as notícias desse começo de 2021 que já dura uns dez meses.
Será que ficamos presos em março de 2020 porque algum viajante do tempo fez merda e fica indo e voltando até consertar o que ele fez?
Acho que nunca saberemos.
É bem doido ser uma pessoa, né? Pensamos, comunicamos, acreditamos em coisas, temos consciência de que um dia elas acabam.
Um mantra que me ensinaram depois de ter me tornado mãe é que “tudo passa”, e isso serve para o que é bom e para o que não é.
Sempre que elaboro para mim mesma que tudo acaba, minha cabeça ecoa em um tom sério: “a consciência de que tudo acaba”, repito outra vez para materializar porque, afinal, é isso, né?, acaba, e da maneira que for.
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Entre os atos (1941) é o último romance de Virginia Woolf. A autora deixou o texto pronto, mas sem a revisão final, e ele foi publicado depois de sua morte. O título só foi decidido ao entregar o manuscrito para seu marido e editor Leonard Woolf, que elogiou o romance. Ele escreve uma nota na publicação em que diz acreditar que ela “não faria nenhuma alteração importante ou substancial”.
O cenário para a história de Isa e Giles é a apresentação de uma peça de teatro em Pointz Hall. Eles são espectadores. O texto conta com os imprevistos de um evento ao ar livre, os temores pelas críticas, a ironia afiada da autora e, claro, pausa para o chá. O casal está o tempo todo em confronto, por causa de suas escolhas, seus desejos, mas esse confronto se dá no campo do silêncio e dos olhares que trocam entre si.
Isa observava o marido. Podia sentir a presença da Sra.Manresa nos calcanhares dele. Podia ouvir a explicação habitual na penumbra do seu quarto de dormir. Não importava a infidelidade dele. Era a dela, sempre, que importava.
Vejo semelhanças desse texto com Mrs.Dalloway, pois a história se passa em um único dia, mas, ao contrário de Mrs.Dalloway não são os personagens que vão e voltam no tempo através de suas memórias. É a peça de teatro que faz uma viagem de quatrocentos anos pela história da Inglaterra.
O texto parece todo de metalinguagem sobre o que são personagens, a representação e a encenação de quem somos nos palcos, nas páginas de um texto ficcional ou na vida. Minha impressão é de que Virginia Woolf fala de como a arte nos afeta, desviando nosso olhar da realidade ao mesmo tempo em que nos permite encarar (com outros olhos) essa mesma realidade.
O espelho giratório era pesado demais. Com toda a sua força o jovem Bonthorp não conseguia mais carregar aquela maldita coisa. Então parou. Todos pararam - espelhos de mão, latas, fragmentos de louça, de vidro, e espelhos com pesadas molduras de prata -, tudo parou. E a platéia contemplou a si mesma, não como um todo, mas sentada, imóvel.
(...)
Todos se evadiram ou se cobriram - exceto a Sra. Manresa que, vendo-se no espelho, usou-o simplesmente como espelho, logo depois tirando da bolsa o seu espelhinho de mão: empoou o nariz e recolocou no lugar certo um cacho de cabelo que a brisa deslocara.
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Retrato de Virginia Woolf com amigos em um piquenique. Da esquerda para a direita estão sentados no chão: uma mulher que abraça os joelhos e olha para frente, um homem que sorri para a câmera, Virginia Woolf que também sorri para a câmera e um homem sério olhando na mesma direção que os outros dois.
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Outro dia estava pensando em um piquenique. Preparamos as coisas para levar a algum lugar aberto: toalhas, pratos e talheres, garrafas com bebidas, potes com frutas, pães, bolos e uma cesta grande.
Ao chegarmos, estendemos a toalha no chão e nos sentamos sobre ela, dispusemos os potes com as comidas e bebidas que trouxemos na cesta, e também os copos, talheres, guardanapos e pratos. Comemos, bebemos, conversamos.
Se há crianças, elas correm de um lado para o outro e voltam sempre que alguém as chama para comer, ou quando elas próprias se lembram de comer, ou só para falar que encontraram algo maravilhoso e querem nos mostrar, ou que brigaram com outra criança. Podemos passar uma tarde inteira assim.
As bebidas esquentam, a comida vai acabando, as crianças se cansam. Separamos o lixo, distribuímos as sobras, guardamos os potes nas cestas, as garrafas com algum líquido voltam para as bolsas, sacudimos a toalha, dobramos e guardamos, chamamos as crianças, nos despedimos, tomamos o rumo de volta para casa.
Às vezes chove sem a gente esperar e recolhemos tudo rapidamente, as crianças começam a jogar lama umas nas outras, fugimos das árvores para algum outro lugar coberto. Um desespero momentâneo para logo em seguida, já encharcados pela chuva, começarmos a gargalhar.
Fim.
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Até mais,
Elaine.